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  • Guillermo Piacesi Ramos

O FISCO PODE MUITO, MAS NÃO PODE TUDO

Atualizado: 24 de mai. de 2018

Acabamos de tomar conhecimento que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, aqui no Rio de Janeiro, deu provimento a um recurso por nós interposto, onde pretendíamos o reconhecimento da prescrição do crédito tributário que estava sendo cobrado na respectiva Ação de Execução Fiscal.


No caso, tendo em vista que a pessoa jurídica que figurava como devedora do tributo não foi localizada, a Fazenda Nacional requereu a inclusão do nosso cliente, sócio da empresa, como corresponsável, para que ele respondesse juntamente com a sociedade pelo pagamento do crédito tributário.


Vale a pena transcrever-se aqui, parcialmente, a citada decisão do Tribunal Regional Federal, para demonstração dos fatos e das circunstâncias da causa [1]:


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“Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por ................., em face da decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Execução Fiscal – Seção Judiciária do Rio de Janeiro, nos autos da execução fiscal de n.º ......................., que rejeitou a alegação de prescrição intercorrente formulado pelo corresponsável.

Esclarece o agravante foi ajuizada, no dia 13/07/2000, execução fiscal em face de Importadora .......................... Ltda., para cobrança do valor originário de R$ 79.971,25 (setenta e nove mil, novecentos e setenta e um reais e vinte e cinco centavos), com fundamento na Lei Complementar nº 70/91, nos termos da CDA que instruiu o feito executivo.

Informa que, determinada a citação da sociedade executada, em decisão prolatada em 18/09/2000, observaram-se, a partir de então, sucessivas suspensões ocorridas naquele feito executivo, em virtude de reiteradas tentativas infrutíferas da exequente em dar prosseguimento à execução: - Suspensão em 10/10/2000; – Suspensão em 06/04/2001; – Suspensão em 01/04/2002; – Suspensão em 23/01/2004; – Suspensão em 14/02/2006; – Suspensão em 09/12/2011; – Suspensão em 03/04/2012; – Suspensão em 26/07/2012; – Suspensão em 08/08/2012; – Suspensão em 10/09/2012.

Afirma que a exequente requereu ao juízo a quo a inclusão, no polo passivo da demanda, dos representantes legais da executada, identificados às fls. 49/54, bem como suas citações e, conforme o caso, a penhora.

Alega que, diante do indeferimento da inclusão pretendida, a exequente reiterou seu pedido tão somente em relação aos Srs. .............. , este último, ora agravante, tendo sido deferida a inclusão, com ordem de citação.

Aduz que, em 15/02/2016, há muito alcançada a pretensão executiva pela prescrição intercorrente, levando-se em conta, inclusive, o fato de que não houve constrição de qualquer bem da parte executada – não obstante tenham sido realizadas diligências para

tanto – requereu o agravante, justamente, o seu reconhecimento e, por via de consequência, a extinção do feito na forma do art. 269, IV do CPC/73, vigente à ocasião.

Salienta que, em que pese a referida decisão de fls. 10, que determinou a primeira suspensão, não ter mencionado prazo para a manifestação da exequente, é de curial saber que o revogado diploma legal, então vigente à época da decisão de suspensão, em seu artigo 185, previa a aplicação do prazo de cinco dias quando omissas as decisões quanto ao prazo de resposta, valendo ainda ressaltar, que o art. 1º da LEF autoriza a aplicação subsidiária do diploma processual civil.

Argumenta que, seguindo entendimento sedimentado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que é desnecessária a intimação da Fazenda Pública da suspensão da execução, bem como do ato de arquivamento, que decorre automaticamente do transcurso do prazo de um ano de suspensão, nos termos da Súmula 314 do STJ.

Sustenta que a redação do parágrafo 4º do artigo 40 da LEF prestigia a tese no sentido de que a suspensão do curso da execução fiscal, enquanto não localizado o devedor e bens passíveis de penhora, não pode se dar por prazo indefinido, em prejuízo dos princípios da celeridade, da efetividade e da segurança jurídica.

Destaca que as sucessivas suspensões ocorridas no feito executivo, em virtude de reiteradas tentativas infrutíferas da agravada em dar prosseguimento à execução, não configuram impeditivo para a incidência da prescrição intercorrente.

(...)

É o relato do necessário. Passo a decidir.

(...)

O objeto do presente agravo cinge-se em analisar a ocorrência da prescrição intercorrente.

A decisão agravada consignou que “(...) Em que pese a alegação do excipiente e de ter havido várias suspensões da presente execução fiscal tendo como base o art. 40, da LEF, não há que se falar em prescrição intercorrente, haja vista que a Fazenda Nacional não se manteve inerte por mais de cinco anos, em nenhuma ocasião nos autos, pois ao longo da propositura do feito, vem tentando localizar a devedora principal e os corresponsáveis incluídos ao longo da demanda, bem como bens pertencentes aos mesmos

(...)”. No fim, rejeitou a alegação de prescrição intercorrente formulado pelo corresponsável ................. , ora agravante.

Pois bem.

Com a referida constituição do crédito tributário, inaugura-se o prazo prescricional para a sua cobrança (art. 174 do CTN), salvo em ocorrendo quaisquer das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN) ou interrupção do lustro prescricional (art. 174, parágrafo único, do CTN).

Cumpre ressaltar que, ainda que tenha transcorrido mais de 5 (cinco) anos entre a data da constituição do crédito tributário e o citação do executado, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que a interrupção da prescrição, pela citação (ou pelo despacho que a determina), retroage à data da propositura da ação (REsp 1120295/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010).

Interrompida a prescrição, essa volta a seguir seu curso regular, até que haja outra causa suspensiva ou interruptiva. Assim, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem, o qual só poderia ser novamente interrompido se presentes algumas das causas previstas no artigo 174, do CTN.

Nesse sentido:

“(...)

Pensando no processo como uma marcha concatenada de atos, a prescrição intercorrente tem o propósito, justamente, de não permitir que o processo fique sem andamento (útil), por prazo superior à 5 anos, prestigiando, assim, a segurança jurídica, que não se coaduna com a eternização de pendências. Tal princípio impõe que o processo judicial tenha trâmite natural e efetivo.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser possível o reconhecimento da prescrição intercorrente nas execuções fiscais, conforme se observa dos precedentes que deram origem ao Enunciado nº 314 da Súmula de Jurisprudência do STJ, assim redigido:

"Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente."

A Lei de execução fiscal tem previsão do instituto no art.40, in verbis:

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

§ 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.

Conforme se percebe, este artigo delineia um critério objetivo nas execuções fiscais, que é a suspensão da ação pelo período de um ano, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Trata-se, em verdade, de um privilégio das Fazendas Públicas.

Com efeito, ainda que a credora tenha requerido diversas diligências, que resultaram infrutíferas para a localização e constrição de bens exequíveis, há de se observar a norma cogente da Lei nº 6.830/80, que determina que após um ano da paralisação inicia-se o praz prescricional, de modo que o crédito não se torne imprescritível.

Nesse sentido:

(...)

Verifica-se, assim, que, uma vez suspenso o processo, o fato de a Fazenda Pública formular requerimento de citação do executado (ou de seus sócios) em possíveis novos endereços ou de expedição de mando de penhora e avaliação, ou mesmo de penhora online, via Bacen-Jud, que, ao final, mostrem-se infrutíferos, não é suficiente para que o

processo retome seu curso regular.

Num breve histórico dos autos, verifica-se que a execução fiscal foi ajuizada em 13/07/2000, para a cobrança de créditos de contribuições previdenciárias referentes à competência março a junho de 1996, tendo sido constituído o crédito tributário por notificação do auto de infração em 30/09/1998.

Em 18/09/2000 foi proferido despacho determinando a citação, mas a diligência foi negativa, tendo sido determinada, em 10/10/2000 a suspensão e ordem de arquivamento depois de decorrido um ano.

Apresentados novos endereços entre os anos de 2001 e 2003, não foi localizada a empresa para citação, tendo sido proferidos outros despacho de suspensão com ordem de arquivamento, em 06/04/2001 e 01/04/2002.

Em 05/08/2003, a exequente requereu a inclusão dos sócios da sociedade executada, o que foi indeferido, eis que o requerimento atingiu a todos os sócios indistintamente. Após, foi formulado novo pedido com a inclusão somente dos responsáveis pela gerência/administração da empresa.

Observa-se que todas as diligências de citação dos sócios foram negativas, tendo sido proferidos despachos de suspensão/arquivamento do feito em 23/01/2004 e 14/02/2006.

Em seguida, apesar das diligências negativas, a exequente formulou pedido de constrição de ativos financeiros via Bacen-Jud, em novembro de 2011, não tendo logrado êxito na localização dos valores.

Novos despachos determinando a suspensão/arquivamento do feito em 09/12/2011 e 03/04/2012.

Requerida a citação por edital, a mesma foi deferida, via agravo de instrumento, e realizada em 2012, seguida de novos despachos de suspensão/arquivamento do feito em 26/07/2012, 08/08/2012 e 10/09/2012.

Verifica-se, na hipótese, que a exequente não obteve êxito nas diligências que realizou.

Considerando que a ação foi suspensa, em sua primeira vez em 10/10/2000, nos termos do artigo 40 da LEF, seguidas de sucessivas suspensões, sem que a credora tenha obtido êxito na localização de bens exequíveis do devedor/responsáveis ou apontado causas de suspensão ou de interrupção da prescrição, forçoso reconhecer a prescrição da cobrança, com fundamento no artigo 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80.

Embora a exequente tenha impulsionado o processo ao longo do seu curso, na tentativa de localizar a executada, seus sócios, ou seus bens, é certo que, uma vez suspenso o processo, este somente retomaria o seu curso se fossem efetivamente localizados os bens da executada.

(...)”

-------

Essa situação retratada nesse caso que trazemos à baila é muito, mas muito comum, no dia-a-dia das empresas e dos contribuintes em geral, principalmente considerando-se os tempos de crise em que nos encontramos, onde a sanha arrecadatória do Estado está mais voraz do que nunca.


Definitivamente, não se pode permitir que a Fazenda Pública, que já goza de tantos benefícios jurídicos para a execução de seus créditos, possa descumprir os requisitos legais para sua cobrança em juízo, como inobservar os prazos processuais que conduzem à prescrição.


Como forma de preservação da imparcialidade da prestação jurisdicional – tradução do princípio da isonomia no universo processual – cabe ao juiz velar e zelar pela manutenção do equilíbrio da relação processual executiva do crédito tributário.


Tal equilíbrio (se é que ainda pode ser sustentado no atual ambiente constitucional) se revela, em certa dimensão, na exata, adequada, justa e necessária proporção entre os privilégios fazendários e o estrito rigor formal que se exige da Certidão de Dívida Ativa, para que a deflagração do processo executivo não seja espúria, além da observância dos prazos processuais de validade e desenvolvimento do processo judicial.


Quanto ao ponto, vale a pena ser transcrita a lição de PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON [2]:


"A igualdade entre as partes exige também a imparcialidade, isto é, o provimento jurisdicional deve ser concedido por um juiz independente, que atua de modo equilibrado. Os conceitos de igualdade e imparcialidade caminham em conjunto há muito tempo. (...) Para que tal preceito [igualdade] se realize, caberá ao julgador decidir em consonância com a lei e com os valores vigentes na sociedade em que se insere, fundamentando suficientemente suas decisões e conferindo tratamento paritário aos sujeitos parciais do processo. É repugnante aceitar que os agentes do Estado solucionem conflitos movidos por interesses ou sentimentos próprios, com total desprezo à lei. Não podem também prevalecer no processo opções econômicas. A liberdade de julgar está vinculada à correta interpretação do ordenamento jurídico que, por sua vez, deve exprimir os valores preponderantes na sociedade. Vincular o sistema jurídico à realidade em que atua, da parte do juiz, revelar a norma a partir dos princípios e garantias que sobre ela sempre devem atuar." (grifou-se)


E o motivo pelo qual transcrevemos essa bonita lição é um só: é porque confiamos na independência dos juízes, a quem compete o julgamento da validade das execuções fiscais instauradas pelas Fazendas Públicas, de sabido compromisso com a imparcialidade na condução do processo e com a preservação das garantias constitucionais próprias do regime democrático.


Imparcialidade esta, precisamente, que impede que venha a ser preocupação dos juízes o aumento ou a diminuição de arrecadação por parte das pessoas jurídicas de direito público, porque isso viciaria mortalmente a prestação jurisdicional correlata, já que não seriam os magistrados mais do que coadjuvantes da União, das Fazendas Estaduais e Municipais, e dos entes públicos/autárquicos em suas cobranças.


Temos a convicção cada vez maior que o Fisco pode muito, mas ele não pode tudo.


Parabéns ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região por haver reconhecido a prescrição do crédito tributário quanto à pessoa de nosso cliente.



Nosso escritório está à disposição para quem tiver algum problema parecido. Não deixe de fazer contato.


* NOTAS:

[1] Por motivo de sigilo profissional, o nome das partes e a identificação do processo foi apagado, mas a redação dos trechos do acórdão aqui transcrito está tal qual no original):


[2] Garantia do tratamento paritário das partes. In: garantias constitucionais do Processo Civil. RT, São Paulo/SP, 1999, p. 109.

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